19 fevereiro 2018

Onde é que está o crime?

Chamou burra à presidente da Junta, foi condenado em primeira instância e absolvido agora pela Relação de Évora. Nunca compreendeu onde é que estava o crime. (ver aqui e também aqui)

O Tribunal da Relação de Évora seguiu a jurisprudência aplicável e que está mencionada aqui, nalgumas frases quase a cita palavra por palavra.

Existem, no entanto, várias questões:

A primeira é a de que um caso destes tenha de ir à Relação para o réu ser absolvido. Sobre esta questão, prefiro não me pronunciar agora.

A segunda, é isto ser tema de notícia.

A terceira é como que um caso destes entra nos tribunais, e estes lhes dão seguimento sabendo que, mais cedo ou mais tarde, haverá uma instância - em última instância, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem -, que absolverá o réu.

A explicação é que o sistema de justiça - porque em Portugal os cidadãos se demitiram de o analisar e de o criticar, no sentido de o melhorar e tornar verdadeiramente democrático - não está feito para os cidadãos, mas para as corporações que tomaram conta dele. Fazer uma queixa destas interessa aos advogados, que vivem disto, e dar-lhe seguimento, produzindo acusação, interessa aos magistrados do Ministério Público, cuja performance é medida, para as estatísticas,  pelo número de acusações que produzem. Depois, há quem se aproveite disto para utilizar o sistema de justiça para fins que não são os da justiça.

Quarto, os eleitos do povo - presidentes de Junta e de Câmara, deputados, governantes, etc. - consideram-se, em muitos casos, acima do povo e a merecer uma dignidade especial. Esta atitude é própria de uma sociedade aristocrática em que nós vivemos durante muitos séculos, mas que já não existe (*).

Numa sociedade democrática é ao contrário, os eleitos são servidores do povo e quando, aos olhos do povo, não se portam  bem, qualquer membro do povo pode acertar-lhes com os "nomes" que entender adequados. E isto vale para os políticos, agentes da justiça, e todos os funcionários públicos e ainda para aqueles que, não sendo nada disto, são ainda assim figuras públicas (jornalistas, comentadores, artistas, futebolistas, árbitros, etc.). E vale ainda para as empresas comerciais que, apelando ao público para comprar os seus produtos ou serviços, são também consideradas figuras públicas.

Só não vale - caso em que é crime - quando alguém, sem motivo, chama nomes em público a uma pessoa privada e sem qualquer relevância pública, ou quando, no exercício da sua liberdade de expressão viola um bem público que é socialmente imperioso proteger (v.g., quando revela segredos de Estado, apela á violência, causa pânico público, etc.).

O Tribunal da Relação de Évora não fez favor nenhum ao réu, absolvendo-o. Fez-lhe justiça, embora uma justiça tardia - a justiça deveria ter sido feita em primeira instância, e ainda antes, não dando o Ministério Público seguimento à queixa apresentada pela "ofendida".

Fez-lhe justiça tardia e incompleta. Porque, para a justiça ser completa, a queixosa e o magistrado do Ministério Público que produziu a acusação deveriam ser condenados pelo crime de calúnia - por terem acusado o réu de um crime que ele não cometeu. E a queixosa deveria ainda ser condenada pelo crime de tentativa de extorsão por ter pretendido obter do réu uma quantia monetária a que não tinha direito nenhum.

Se se fizesse assim, os processos fúteis que inundam os tribunais não existiriam e a justiça seria mais célere. E alguns "galifões" que andam por aí, quais Napoleões de hospício, deixariam de poder usar a justiça para intimidar os cidadãos - os que se deixam intimidar, bem entendido.

(*) Veja aqui como o ex-presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, se mostrou indignado por lhe terem chamado energúmeno.

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