07 setembro 2017

Obra mais bonita

O período mais difícil para mim e para a Associação Joãozinho foi o período que decorreu entre o Verão de 2016 e o primeiro trimestre de 2017. Houve mesmo um momento nesse período em que quase me senti como Cristo quando estava à beira de ser pregado na cruz.

Nesse momento, ninguém se aproximava dele - bem pelo contrário -, e ficou acompanhado apenas por mulheres. Eu também estava assim - as principais chamavam-se Fátima Pereira e Susana Almeida, minhas colegas na direcção da Associação, e eram ambas mulheres com filhos.

Para além das mulheres, Cristo também ficou acompanhado por um jovem - o seu "discípulo preferido" - chamado João que, talvez pela sua idade, não se dava conta dos riscos que corria estando ali. Por sinal, eu também me sentia acompanhado por um João a quem, sendo igualmente jovem,  chamavam Joãozinho, e que representava todas a crianças, presentes e futuras, internadas no Hospital de S. João.

Tudo começou pouco tempo depois daquela minha viagem histórica a Lisboa onde, primeiro, fui recebido no Ministério da Saúde pelo novo secretário de Estado, Dr. Manuel Delgado, acompanhado pelo seu chefe de gabinete, Dr. Poole da Costa, e depois no Parlamento, pelas deputadas do Partido Socialista.

Nesse dia, as deputadas tinham-me ensinado - à força, bem entendido - a mim, que já tinha criado quatro filhos, dois homens e duas mulheres, que era igual uma criança ser educada por um homem e uma mulher, ou indiferentemente por dois homens ou por duas mulheres.

Ora, eu tinha cometido o erro, poucas semanas antes, de dizer no Porto Canal que "uma criança educada por duas mulheres tem todas as probabilidades de sair um atado; e educada por dois homens, as probabilidades são as de que saia um brutamontes". Elas não tinham gostado.

Na minha reunião com o Secretário de Estado ocupámos uma boa parte do tempo  a falar do Continente. E o que é que eu tinha para dizer acerca do Continente, em relação com o Projecto Joãozinho?

Primeiro, que o Continente era mecenas do Joãozinho desde o nascimento do Projecto,  muito antes de eu estar envolvido. A última contribuição, no âmbito da Missão Sorriso, já  tinha sido recebida por mim na Associação, e foi de quinze mil euros.

Segundo, que a ideia do Continente como mecenas-de-massa foi uma ideia que me surgiu tardiamente  já no final de 2014 e que não era uma condição sine qua non para a realização do Projecto por via mecenática. Longe disso.

Por essa altura, eu já tinha lançado o concurso para a obra e angariado mecenas suficientes entre os dois grupos de empresas que elegera como alvos - as multinacionais farmacêuticas, na maior parte situadas em Lisboa; e as empresas do Norte, sobretudo as do Porto.

Aquilo que o Continente - agora com a cedência do espaço e a instalação de um supermercado nos terrenos do HSJ -, vinha trazer era uma antecipação extraordinária do prazo de pagamento da obra. A Associação podia pagá-la em dois ou três anos, quando antes tinha previsto dez. Depois de intermediada na banca, esta operação renderia cerca de 10 milhões de euros à Associação, pagando cerca de metade do custo da obra.

Terceiro, disse ao Secretário de Estado que o seu antecessor, Dr. Manuel Teixeira, me tinha indicado como proceder - pedir a cedência do espaço ao HSJ, que depois remeteria o processo para o Ministério da Saúde, a fim de obter a autorização da tutela e também do Ministério das Finanças. Mas, com a mudança do Governo e da administração do HSJ tudo tinha ficado encalhado no HSJ. Aquilo que me propunha agora, se ele achasse bem,  era refazer todo o processo.

Ele achou tão bem e encorajou-me tanto que, no caminho para o Porto, eu fui a pensar em pôr de pé o Dossier perfeito, o qual incluiria toda a informação necessária, uma vez que ele ia agora ser visto e analisado por pessoas na administração do Hospital e nos Ministérios da Saúde e das Finanças que não conheciam nada do processo. E lancei-me ao trabalho, ao mesmo tempo que dei conhecimento ao presidente do Hospital de S. João.

Ao Continente, pedi o projecto completo e detalhado do supermercado. Recebi-o dias depois, profissionalmente impecável, com os gráficos do espaço a ceder e dos estacionamentos, as fotografias a cores do exterior e do interior do supermercado, na versão Continente Bom Dia.

A um jurista da minha confiança pedi que me preparasse o documento de cedência do espaço do HSJ à Associação, e que o fizesse em termos análogos àqueles que tinham sido utilizados pelo HSJ para ceder o espaço à Fundação McDonald. Pedi-lhe também que me fizesse o documento de re-cedência do espaço da Associação ao Continente, onde constavam as promessas financeiras do Continente, e a obrigação da Associação  utilizar o dinheiro integralmente em favor do Joãozinho.

Juntaria ainda ao Dossier o protocolo tripartido entre o HSJ, a Associação e o consórcio construtor;  o contrato de empreitada entre a Associação e o consórcio;  o despacho do Secretário de Estado Manuel Teixeira a aceitar a obra; e ainda o despacho do Tribunal de Contas  acerca dela.

Para que tudo ficasse completo, pedi ao Eng. Luís Moutinho , CEO do Continente, se me escrevia uma carta de compromisso mediante a qual se vinculava a fazer e a cumprir tudo aquilo que estava previsto, caso  a parcela de terreno fosse cedida. Ele fez-me esse favor, redigindo e assinando uma generosa carta que juntei ao Dossier.

Quando falei ao Dr. Oliveira e Silva a dizer-lhe que tinha o Dossier quase pronto e era altura de marcarmos uma reunião com todas as partes envolvidas, ele esfriou o meu entusiasmo, dizendo-me que a conversa que do Ministério da Saúde tinham tido com ele acerca do assunto, tinha sido mais dura, incluindo a obrigação de o HSJ juntar um Parecer jurídico ao Dossier.

Não achei nada de estranho. E eu próprio, na carta que capeava o Dossier, dirigida à administração do Centro Hospitalar de S. João (CHSJ),  e que era subscrita pelos três directores da Associação Joãozinho, fui particularmente cuidadoso a explicitar o enquadramento jurídico que desde há muito estava concertado para a operação:

"(...) Nos termos da Lei do Mecenato é possível ao CHSJ oferecer contrapartidas em espécie à Associação sem pôr em causa o carácter mecenático da obra (nº 2 do artº 1º do Dec.-Lei nº 74/99, de 16 de Março, tal como interpretado pela Circular 2/2004, de 20 de Janeiro, da DSIRC).

Assim, ao abrigo desta Lei (...) solicitamos a V. Exas que cedam a esta Associação o direito de superfície sobre a parcela de terreno identificada em documentos juntos (Doc. 1 e 2). A cedência está configurada em moldes semelhantes, e por prazo igual, àqueles que o CHSJ utilizou para a Fundação Ronald McDonald. (...)".

Acrescentei ainda  que, com esta cedência, o Estado português seria também mecenas do Joãozinho, com uma contribuição em espécie. Assim, ninguém ficaria excluído. Neste Projecto, os mecenas seriam a sociedade civil e também o Estado.

Obra mais bonita eu não conseguia imaginar para ser oferecida às crianças internadas no Hospital de S. João.

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