14 agosto 2017

África

Muitos hospitais públicos em Portugal metem medo. Entrar nas catacumbas do S. João é um susto. Deixar um filho internado no barracão da sua ala pediátrica é de fazer doer o coração. Ali ao lado, o IPO é a instituição mais caótica em que alguma vez entrei.

No IPO existem mesmo voluntários à entrada para conduzirem as pessoas aos serviços onde elas querem ir, tal é a barafunda. Mas depois de se conhecerem os cantos à casa e de se ganhar autonomia a andar lá por dentro, descobre-se um mundo de eficiência, pessoalidade e de altíssima qualidade médica e de enfermagem.

É assim Portugal e a cultura católica - a aparência é quase sempre pior que a realidade, a maçã é muito mais saborosa do que à primeira vista parece, o melhor está escondido. É ao contrário nos países protestantes do norte da Europa e da América do Norte que frequentemente nos servem de referência e de fonte de imitação.

Mas a aparência estraga tudo e, estou eu convencido, é a principal responsável por sermos um fraquíssimo exportador de serviços de saúde, um sector de actividade onde devemos ser dos melhores na Europa.

A medicina possui uma longa tradição em Portugal e é uma das raras áreas de excelência académica nos país (as outras são Engenharia e Arquitectura). Os enfermeiros portugueses são procurados em toda a Europa. A enorme pessoalidade da cultura portuguesa faz o resto. Em Portugal, estar internado num hospital, ou recorrer frequentemente a ele,  é uma oportunidade para fazer amigos para o resto da vida.

Ao visitar as multinacionais farmacêuticas, rapidamente me apercebi de uma diferença entre as americanas e as europeias. As regras internas das empresas - o chamado compliance - são muito mais estritas na América do que na Europa. As empresas americanas,  em geral, não podem fazer contribuições mecenáticas  para um seu cliente ou fornecedor.  É diferente com as europeias.

Nalgumas delas, o compliance é de tal modo estrito que nem à Associação Joãozinho elas poderiam fazer contribuições directas, por a Associação prosseguir um fim que era também do HSJ, e ter nos seus órgãos sociais administradores do HSJ.

Foi ao lidar com esta dificuldade, e em cooperação com os gestores dessas multinacionais empenhados em ajudar o Joãozinho, que descobri uma grande oportunidade de negócio para a nova ala pediátrica do HSJ e para Portugal.

Todas as grandes multinacionais americanas possuem Fundações com sede na América, e que são o braço solidário das empresas. Normalmente, não financiam projectos de saúde para a Europa, talvez por considerarem que os países europeus têm a União europeia para os ajudar. Mas financiam quase todas, e em grande escala, projectos de saúde para África.

Ora, sucede que desde há muitos anos que o HSJ recebe e trata crianças vindas dos países africanos de língua portuguesa - especialmente S. Tomé e Príncipe, Angola e Guiné -, ao abrigo dos programas de cooperação existentes entre Portugal e esses países.  A solução para as multinacionais americanas contribuírem para o Joãozinho estava, então, mesmo ali à vista.

A Associação Joãozinho, o HSJ e o Governo de cada um desses países, estabeleceriam um protocolo, mediante o qual o HSJ se comprometia a receber e a tratar até um número máximo de crianças por ano vindas de cada um desses países. Ao mesmo tempo, a Associação Joãozinho e o HSJ apresentavam candidaturas às Fundações americanas para o pagamento desses cuidados de saúde. A Associação e o HSJ acertavam também entre si a repartição dessas receitas, sendo a parte que coubesse à Associação integralmente canalizada para o financiamento da nova ala pediátrica.

Para os críticos do Joãozinho, que argumentavam que a construção da nova ala pediátrica do HSJ iria representar um excesso de oferta de cuidados pediátricos na cidade do Porto, eu também já tinha a resposta e estava a trabalhar nela - exportação de cuidados de saúde pediátricos para África. E a solução era maravilhosa porque, com uma cajadada, matava três coelhos - e que coelhos.

Primeiro, fornecia cuidados de saúde de primeira qualidade às crianças africanas, tão necessitadas deles. Segundo, aumentava as exportações em Portugal, numa altura em que era imperioso fazê-lo por a economia se encontrar tão debilitada. E, terceiro, pagava, em parte, a nova ala pediátrica do HSJ. Tudo com dinheiro americano.

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